quarta-feira, 18 de maio de 2011

LILBÉ


"Nosso ofício, falo de teatro, não nos deixa provas. A posteridade não nos conhecerá. Quando um ator pára o ato teatral, nada fica. A não ser a memória de quem o viu. E mesmo essa memória tem vida curta." (Fernanda Montenegro)

Começo com esta citação da Fernanda, por ser fabulosa a sua observação. O ator vive da ação momentânea do fazer teatral, e quando ele o faz nada fica a não ser a lembrança na memória do público até quando ela sobreviver.  
Lilbé foi à primeira proposta concreta do semestre para mim, na disciplina Interpretação III. Não foi um desafio, nem uma ameaça, foi um presente. A vinda dessa personagem me fez expandir um universo estranho que nem eu sei como o encontrei, mas sei como explorá-lo. Todas as ferramentas possíveis vieram com o texto, e com o encontro do nosso sujeito com a personagem. 
A primeira apresentação que fizemos em sala para com os nossos colegas foi definitiva. Ali apresentamos os nossos queridos personagens, a história, o perfil de cada um e a mensagem transposta pelo autor do texto. A partir daí vieram os questionamentos, críticas, melhoras, acertos. Qual seria a chave para uma boa apresentação? Eu me perguntei durante todo o processo. Mostrar a realidade mesmo que fictícia dos personagens e satirizar um problema do mundo contemporâneo.
Para a construção de Lilbé pesquisei diversas interpretações do texto e analisei outras versões da personagem. Obtive uma primeira impressão do coletivo investigado, que neste caso foi importante para perceber que esta nova Lilbé tinha outro conceito. O contexto que deciframos era mais um dentro do universo já explorado, vem por um novo viés, o que chamamos de uma nova versão. Então esses foram os objetivos da construção: uma inocência infantil, um desrespeito com o social, a desconstrução do que é aceitável ou correto, a diversão com a morte, o questionamento de como se tornar bom.
A impressão que tenho é que Fídio e Lilbé são sujeitos que vivem fora do social, pois não aceitam as condições e regras impostas por um grupo de pessoas que julgam o que é certo e errado. Eles vivem contrários a isso. Se um velho sofre enquanto vive, melhor um velho morto para que não sofra. Essa intervenção do social por esses dois “fictícios” foi interpretada como uma reprodução satirizada do que se encontra cotidianamente. Levar para o imaginário das pessoas através de figuras humanas, simples e engraçadas o que ultimamente vive chocando a sociedade.
                Lilbé veste-se com roupas infantis que não cabem em seu corpo, age com modos que inferiorizam uma mulher de sua idade, tem os cabelos negros e o rosto manchado por falta de cuidados. Vive em sua insanidade pueril a ponto de matar o filho por achar divertido, mas se questiona por que o fez. Talvez tenha feito por achar que aquela criança não seria feliz ao nascer na realidade em que vivem, ou quem sabe quantos outros milhares de fatores possíveis serão levantados para que justifiquem Lilbé a agir de tal modo? Em determinado ponto do texto é notável o lamento pela morte da criança, o que é esquecido logo em seguida quando o temor pelo o que deve ser feito para ser boa volta a imperar, quando o que a divertia era ser uma pessoa má.
Estamos em cartaz no Projeto Ato de 4, dividindo o palco com outras 3 cenas  belíssimas, o que nos faz querer ser tão bons quantos os outros e apresentar todos os dias para um público renovado. Estamos na terceira semana de apresentação e a tensão permanece imutável, é como se fosse ocorresse a mudança de corpos, a saída da atriz para a entrada do dono da casa. As reações adversas que cada público apresenta são condicionais, na estréia as gargalhadas foram tamanhas a ponto de darmos um tempo para retomar. No segundo dia o público transmitia um perfil mais contido e nem reagiu, o que nos levou a representar de forma relativa. Assim como alguns imprevistos técnicos surgiram, como a interrupção do som em duas apresentações, o que não nos impediu de continuar como se nada tivesse acontecido. Temos que estar preparados para esse inesperado, assim como na vida repentinos acontecem.
Hoje estamos no ápice das apresentações, o domínio extra do texto a ponto de construir súbitos favoráveis. O acesso da personagem aparece quando eu almejo, vem como um botão de liga/desliga. Ela também surge abruptamente quando algo vivenciado por mim se remetem a ela, seu texto, seus modos. Tudo determina o domínio equivalente entre ser dominante e dominado. Enquanto meu ofício não acaba vou aprendendo com minha querida Lilbé todos os artifícios que ela adquirir no ato teatral. Quando acabar e nada ficar, espero que permaneça vivo na memória de quem nos assistiu. Todas as segundas de maio, as 19h no projeto Ato de 4. (Por Jessica de Andrade)

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